quarta-feira, 30 de março de 2011

Algumas mentiras sobre a guerra na Líbia

26/03/2011 - 15:00 | Thierry Meyssan | Paris Diz-se que na guerra a primeira vitima é a verdade. As operações militares na Líbia e ... thumbnail 1 summary
26/03/2011 - 15:00 | Thierry Meyssan | Paris


Diz-se que na guerra a primeira vitima é a verdade. As operações militares na Líbia e a resolução 1973 que lhes serve de base jurídica não são a exceção da regra. São apresentadas ao publico como necessárias  para proteger a população civil vitima da repressão indiscriminada do Coronel Kadafi. Na verdade os objetivos são clássicos do imperialismo. Vejamos alguns elementos esclarecedores.

Crimes contra a Humanidade

Para piorar o panorama, a imprensa atlantista nos fez crer que as centenas de milhares de pessoas que fugiam da Líbia estavam tentando escapar de um massacre. Agências de noticias falaram de milhões de mortos e de “crimes contra a Humanidade”. A resolução 1970 denunciou perante a Corte Penal Internacional, possíveis “ataques sistemáticos e generalizados contra a população civil”.

O conflito líbio tem na realidade uma leitura política, e às vezes, uma leitura tribal. Os trabalhadores imigrantes foram as primeiras vitimas do enfrentamento. De repente eles foram obrigados a partir. Os combates entre os partidários de Kadafi e os rebeldes foram certamente sangrentos, mas não nas proporções anunciadas. Nunca houve uma repressão sistemática contra a população civil.

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Apoio à “primavera árabe”

Em seu discurso no Conselho de Segurança, o ministro francês de Relações Exteriores Alain Juppé elogiou a “primavera árabe” em geral e a revolta líbia em particular.

Seu discurso lírico escondia negras intenções. Não disse nem uma palavra sobre a sangrenta repressão no Iemen e no Barein, mas elogiou o rei Mohamed VI do Marrocos como se fosse um dos militantes revolucionários, contribuindo para piorar a imagem desastrosa da França no mundo árabe, graças à presidência de Sarkozy.

Apoio da União Africana e da Liga Árabe

Desde o inicio destes acontecimentos, a França, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos não deixam de afirmar que esta não é uma guerra ocidental, apesar de o Ministro do Interior francês Claude Gueant ter falado em “cruzada” de Nicolas Sarkozy. Os três países mencionados se protegem com o apoio que supostamente teriam recebido da União Africana e da Liga Árabe.

A realidade é que a União Africana condenou a repressão e reconheceu a legitimidade das reivindicações democráticas, mas se declarou em todo momento contra uma intervenção  armada estrangeira. Quanto à Liga Árabe, trata-se de uma organização que reúne principalmente vários regimes  ameaçados por revoluções similares. Estes regimes apoiaram o princípio da contra-revolução ocidental - inclusive alguns estão participando dela no Bahrein - mas não puderam dar-se ao luxo de apoiar uma verdadeira guerra ocidental porque teriam que enfrentar uma aceleração dos movimentos de oposição internos que poderiam derrotá-los.

O reconhecimento do Conselho Nacional Líbio de Transição

Existem três zonas revoltadas na Líbia. Foi constituído um Conselho Nacional de Transição em Bengasi. Fundiu-se com o governo Provisório criado pelo Ministro da Justiça de Kadafi, que se juntou aos rebeldes. Foi esta mesma pessoa, segundo as autoridades búlgaras, que organizou as torturas contra as enfermeiras búlgaras e o medico palestino que o regime manteve preso por longo tempo.

Ao dar seu reconhecimento a este Conselho Nacional Líbio de Transição e ao eximir de toda culpa seu novo presidente, a coalizão de países ocidentais escolhe seus interlocutores e exigem os rebeldes como lideres. Isto lhes permite separar os revolucionários nasseristas, comunistas e khomeinistas.
O objetivo é antecipar os acontecimentos e evitar o que aconteceu na Tunísia e no Egito, quando os ocidentais impuseram ao governo do partido de Ben Ali sem Ben Ali ou um governo  de Suleiman sem Mubarak, governos que os revolucionários derrotaram.

Embargo às armas

Se o objetivo fosse proteger a população, bastaria instaurar um embargo às armas e aos mercenários destinados ao regime de Kadafi. Em vez disto, o embargo se estendeu aos rebeldes para impedir uma possível vitória. O verdadeiro objetivo era deter a revolução.

Zona de exclusão aérea

Se o objetivo fosse proteger a população civil, a zona de exclusão se limitaria aos territórios revoltados (como se fez no Iraque com o Kurdistão). A realidade é que a proibição de voos se estende a todo o país. Desta maneira esta coligação pretende manter o equilíbrio de forças em terra e dividir o país em quatro partes: as três zonas revoltadas e a zona leal.

Esta divisão da Líbia pode comparar-se com a do Sudão e da Costa do Marfim, primeira etapa da “redefinição da África”.

Congelamento de bens

Se o objetivo fosse proteger a população civil, somente se teria ordenado o congelamento dos bens pessoais da família Kadafi e dos dirigentes do regime para impedi-los de violar o embargo de armas. Mas este congelamento se estendeu também aos bens do Estado Líbio. O fato é que a Líbia, por ser um estado rico em petróleo, dispõe de um tesouro considerável, parte do qual esta investido no Banco do Sul, instituição que se dedica ao financiamento de projetos do Terceiro Mundo.

Conforme disse o presidente da Venezuela Hugo Chaves, o congelamento dos bens não protegerá os civis. Seu objetivo é restaurar o monopólio do Banco Mundial e do FMI.

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Coligação de Voluntários

Se o objetivo fosse proteger a população civil, o encarregado de aplicar a resolução 1973 seria a ONU. Em vez disto, as operações militares estão sendo coordenadas atualmente pela US AfriCom e supostamente passarão às mãos da OTAN. É por isto que o ministro turco das Relações Exteriores Ahmet Davutoglu se indignou com a iniciativa francesa e exigiu explicações da OTAN.

De maneira mais direta, o premiê russo Vladimir Putin qualificou a resolução 1973 como “viciada e inadequada. Quem lê, percebe que ela autoriza qualquer um a tomar medidas contra um estado soberano. Tudo isto me lembra uma cruzada medieval” concluiu Putin.

*Thierry Meyssan é jornalista e ativista de direitos humanos.
 
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